Envelhecimento Ativo em Cascais – O papel das Universidades Sénior

A todos os presentes, sobretudo os alunos da Universidade Sénior.
 À Vereadora Diana Vale;  Ao Moderador José Ramalho Fontes; Ao Executivo da Junta de Freguesia; Aos responsáveis das Universidades Seniores de Cascais que aceitaram o nosso convite para partilhar as suas experiências.
E outras entidades presentes.

Caros amigos, muito obrigado pela vossa presença no encontro desta manhã.

É com grande alegria, enquanto novo presidente do Centro Comunitário da Paróquia de Cascais, com pouco mais de um mês de casa, que vos dirijo esta primeira palavra por ocasião deste encontro das Universidades Sénior, sob o tema “Envelhecimento Ativo em Cascais – O papel das Universidades Sénior”.

No último Censos de 2021, identificou-se um crescimento significativo da população com mais de 65 anos no nosso concelho. Hoje representa 22% da população, enquanto em 2011 representava apenas 17,78%[1]. É, assim, importante a reflexão que somos chamados a fazer sobre esta crescente faixa etária e sobretudo sobre a forma como as nossas Universidades Sénior são e podem ser um agente activo na gestão deste processo que faz parte da vida de todos nós, o envelhecimento.

Diz-se popularmente, com alguma propriedade, que “a juventude é um estado de alma”. No entanto, sendo nós unidade de corpo e alma, e dizendo também o povo que “a saúde é um estado transitório que não augura nada de bom”, não deixa de ser importante a integração do envelhecimento na vida ativa – não apenas para o próprio, mas também para os outros – familiares, amigos, colegas – que também são impactados com o envelhecimento.

Dizem os comediantes que “Envelhecer é obrigatório, amadurecer é opcional”, pelo que um envelhecimento ativo, uma integração de iniciativa própria, torna-se essencial para uma justa vivência da realidade e também como um verdadeiro ato de amor e um exemplo para quem nos é mais próximo. Creio que não se trata de um processo automático: exige uma vontade e compromisso pessoais, uma luta pela virtude na sua situação de vida. Não me parece errado dizer, que tal como existe uma chamada “síndrome de Peter-Pan” ao entrar na idade adulta, que se exprime numa fuga às responsabilidades associadas à autonomia e independência, algo de análogo pode acontecer no processo de envelhecimento, se este não for assumido na primeira pessoa, com uma real tomada de consciência das próprias capacidades, potencialidades, mas também das respectivas limitações.

As alternativas a este caminho de integração na vida ativa poderão ser, porventura, o choque abrupto de uma vida intensa para uma vida sedentária e passiva, a frustração diante das transformações físicas próprias da vida e um estado de negação.

Creio, assim, ser importante nesta manhã refletirmos sobre esta temática, procurando responder a estas perguntas essenciais: Como viver bem esta realidade existencial do envelhecimento? Que papel têm e podem ter as universidades sénior?

Da minha parte, permitam-me o meu breve contributo, enquanto padre e, portanto, companheiro de viagem de muitos. Faço-o apresentando três histórias da sabedoria eterna das Sagradas Escrituras, tão antigas mas sempre novas e renovadas, que ilustram diferentes aspetos para um justo envelhecimento e respetivo amadurecimento.

Primeiro, o exemplo de Eleazar, presente no segundo livro dos Macabeus, capítulo 6 (2 Mac 6, 18-31). Eleazar era um ancião que viveu numa altura em que o povo eleito está sob ocupação, vassalo do império Selêucida. Neste período, o povo invasor procura impor os seus costumes e erradicar os preceitos da Lei judaica, profanando o templo e obrigando o povo a apostatar, prestando culto aos deuses pagãos e fazendo o que não lhes era permitido. Tentam forçar Eleazar a comer carne de porco, que lhes era proibida, mas este recusa-se, dizendo:

«Não é digno da nossa idade fingir, para que muitos dos jovens não venham a pensar que Eleazar, com noventa anos de idade, se tenha convertido a costumes pagãos, e para que, por causa do meu fingimento e só para prolongar um pouco mais a brevidade da minha vida, eles se não desviem por minha causa, e eu não atraia vergonha e desonra para a minha velhice. E, mesmo que no presente momento eu me livrasse do castigo humano, não escaparia vivo ou morto, das mãos do Todo-Poderoso. Portanto, se corajosamente deixar agora a vida, mostrarei ser digno da minha velhice. E deixo também aos jovens um nobre exemplo de como se deve morrer voluntária e generosamente pelas nossas venerandas e santas leis.» (2 Mac 24-28).

Um primeiro traço para a vivência de um envelhecimento Ativo que creio podermos tirar da história de Eleazar é a passagem do testemunho de integridade para as próximas gerações, o valor da fé e os valores próprios, que em circunstâncias históricas difíceis podem ser esquecidos. Uma tarefa essencial, sobretudo nos dias de hoje, a transmissão do legado que recebemos a quem vem depois de nós, de uma hierarquia de valores e do que de facto é essencial na vida. Comentava o Papa Francisco, acerca da fé deste personagem – mas que creio podermos alargar para um contexto mais amplo:

Precisamente a velhice – e isto é bom para os idosos – aparece aqui como o lugar decisivo, o lugar insubstituível para este testemunho. Um idoso que, devido à sua vulnerabilidade, aceitasse considerar irrelevante a prática da fé, faria com que os jovens acreditassem que a fé não tenha alguma relação real com a vida. Parecer-lhes-ia, desde o seu início, como um conjunto de comportamentos que, se necessário, podem ser simulados ou dissimulados, porque nenhum deles é muito importante para a vida.[2]

Creio que envelhecer ativamente é ser uma bússola, um compasso moral para as próximas gerações. É ser uma referência de sabedoria e experiência do caminho certo e dos caminhos errados, é transmitir um legado que se recebeu de outros, passar o bastão da fé e da moral a quem se segue, pela partilha de vida.

A segunda história que vos trago é a história de Rute e de Noemi. Duas viúvas, a sogra e a nora, fazem voto de seguir juntas o resto dos seus dias:

«Não insistas para que te deixe, pois onde tu fores, eu irei contigo e onde pernoitares, aí ficarei; o teu povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus. Onde morreres, também eu quero morrer e ali serei sepultada. Que o Senhor me trate com rigor e ainda o acrescente, se até mesmo a morte me separar de ti.» (Rt 1, 16-17).

Os laços familiares, especialmente os netos, quando os há, são talvez um dos denominadores mais comuns no processo do envelhecer. O contributo que se dá, com o auxílio material e de trabalho, é uma grande mais-valia para ambas as gerações, mantendo a justa e devida distância, devendo os mais velhos estar atentos para deixar o espaço próprio da geração que vem, nunca se substituindo ao papel próprio que lhes cabe. Num sentido mais lato, além dos laços de família e da inter-geracionalidade que podemos tirar da história de Rute e Noemi, retiramos o sentido de comunidade, tão essencial em toda a vida e no processo de envelhecimento de uma forma particular.

Por último, a história de Simeão e Ana, dois anciãos em Jerusalém que esperavam o Messias que traria a consolação a Israel:

Ora, eis que havia em Jerusalém um homem cujo nome era Simeão, um homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel, e o Espírito Santo estava sobre ele. Fora-lhe revelado pelo Espírito Santo que não veria a morte antes de ver o Cristo do Senhor. E veio ao templo movido pelo Espírito. Quando os pais trouxeram o menino Jesus, para com Ele procederem segundo o costume da Lei, Simeão acolheu-o nos braços, bendisse a Deus e disse: «Agora, Senhor, podes deixar partir em paz o teu servo segundo a tua palavra porque os meus olhos viram a tua salvação que preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos pagãos e glória do teu povo, Israel» (Lc 2, 25-32).

Ao verem Jesus, Ana e Simeão veem a vida chegar ao seu cumprimento. A espera pelo Messias prometido revelava-se como o seu propósito de vida, o encontro com Deus, agora cumprido. Estes dois anciãos apresentam-nos o que julgo ser o mais importante fator para um envelhecimento ativo: a busca pelo sentido de vida. Já dizia Viktor Frankl, que “A vida nunca se torna insuportável pelas circunstâncias, mas apenas pela falta de sentido e propósito”. É no descobrir o seu lugar e propósito, mesmo numa situação de doença, de dor ou de fragilidade. Aqui entra, indubitavelmente, a questão do sentido religioso e a necessidade de se confrontar com o infinito, com Deus, que dá o sentido às situações limite. Entre a fuga, a apatia e indiferença e o abraçar da realidade como um dom divino, são muitas e diferentes as visões diante de uma mesma realidade, que é transversal. É, no entanto, essencial, ficando um vazio de sentido o não abordar da questão.

Estas três histórias bíblicas ajudam a sublinhar o que considero ser o papel que têm as Universidades Sénior para o Envelhecimento ativo em Cascais. Tal como o faz a escola, as universidades sénior dão o contexto próprio para um caminho comunitário de procura de sentido, ao mesmo tempo que, ao estarem integradas em espaços e contextos intergeracionais, transmitem a sabedoria às gerações que se sucedem. Mais do que os conteúdos de cada curso – pergunto-nos, quem se lembra de tudo o que aprendeu nos tempos da faculdade e da escola? – as vivências e as pessoas permitem criar o ambiente comunitário necessário para a mútua edificação na virtude e na procura de sentido. Sendo o homem corpo e alma, o cuidado do intelecto e da saúde em conjunto dão esta fase de vida um bálsamo suave, de nos sabermos ainda a crescer, aprender e – sim – a manter a juventude de espírito com amigos que fazemos no caminho.

Que esta manhã seja uma oportuna ocasião de partilharmos experiências e vivências neste sentido. Muito obrigado a todos.

[1] https://data.cascais.pt/sites/default/files/2025-7/Julho2025_PerfilLocalSaude_Cascais2024_VersaoFinalNov24_v5.pdf

[2] FRANCISCO, Catequeses sobre a Velhice, 4 Maio 2022. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2022/documents/20220504-udienza-generale.html

(Pe. Mendo Ataíde)