Mário
Marfim é um voluntário que não veio apenas ajudar nas valências
que o Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos (CCPC) já
tinha, mas veio melhorá-las e criar novos serviços. Sempre cheio
de energia e ideias, chegou ao Centro Comunitário como um
presente de Natal, em Dezembro do ano passado. Para que se
perceba desde já o profissionalismo que lhe é característico,
referimos que no dia em que se apresentou no UNIVA para uma
entrevista trazia já um esboço do projecto que gostaria de
realizar. E foi da mesma forma que se apresentou perante o Ágora,
com a entrevista toda preparada num papel. Os amigos acham-no
demasiado organizado, nós achamo-lo prevenido e já alguém dizia
que homem prevenido vale por dois. O Sr. Mário vale por muito
mais.
Reformado desde os 57 anos, por opção, alguns anos antes a sua
vida começou a mudar. Trabalhador numa multinacional, chegava
entretanto à chamada meia-idade, um "fantasma" - como o próprio
denomina - que assusta muitas empresas e que as leva a trocar
estes trabalhadores por pessoas mais novas. Com Mário Marfim nem
foi preciso despedidas, pois o próprio - em mais um sinal de que
é prevenido - apresentou-se disponível para sair. Com um curso
incompleto em Ciências Económicas e Financeiras e anos de
trabalho nas áreas da Contabilidade, primeiramente, e depois em
Recursos Humanos, tinha de procurar novo emprego. O milagre
aconteceu aqui, quando lhe foi oferecida uma ajuda preciosa que
dá pelo nome de outplacement, de que nunca tinha ouvido falar. "Não
sabia o que era, mas preparam as pessoas para poderem encontrar
emprego, outra actividade ou outro tipo de serviço. Reconverter,
é esse o conceito", explica.
A partir daqui, tudo mudou. "Deu-se uma reviravolta na minha
maneira de ser, na minha maneira de acreditar. A parte cinzenta
do meu cérebro, que existia aos 50 anos, passou a azul aos 55
anos". De auto-estima renovada, conseguiu rapidamente novo
emprego, que acabou por abandonar por opção, reformando-se
antecipadamente. E foi aqui que o voluntariado entrou na sua
vida. "A pessoa quando está a trabalhar anda ansiosa para que
chegue a reforma, para fazer tudo aquilo que está pendente. E
foi bom enquanto foi novidade, mas depois começam os dias
cinzentos e eu ficava a pensar: o que fiz de útil? Esta
inactividade estava a começar a afectar-me", recorda. Nessa
altura, lembrou o seu tio e padrinho Mário Salvador dos Santos,
que muito fez como voluntário pelo concelho de Cascais.
Durante algum tempo, hesitou em inscrever-se, pois não se via a
trabalhar em nenhuma das áreas tradicionalmente associadas ao
voluntariado, como cuidar de doentes ou alimentar os mais
carenciados. Mas um dia tomou coragem e entrou no site da Câmara
Municipal de Cascais, onde viu, coincidência ou não, que ia
abrir um Curso de Formação de Voluntários. E no mesmo site
encontrou a página do Centro Comunitário de Carcavelos,
www.centrocomunitario.net. Entusiasmado, inscreveu-se nos dois,
e pouco depois de frequentar o curso foi chamado por Marta
Pereira, do UNIVA, responsável por dar apoio na inserção e
reinserção de pessoas no mercado de trabalho.
Como não gosta de ficar desprevenido, começou a pensar no que
propor ao CCPC e rapidamente fez-se um clique. "Gostava do que
estava a fazer - pois na área dos recursos humanos sentia-se
como peixe na água - e o desemprego é uma realidade que me
assusta e que eu vou acompanhando", explica. A proposta foi
então feita nessa área e o Centro aceitou-a, criando o
denominado Espaço Emprego, onde Mário Marfim faz o
acompanhamento personalizado de pessoas que procuram emprego.
Numa mini-formação de quatro sessões, de duas horas cada, o
voluntário procura, em equipa com o desempregado, criar
ferramentas ao nível da auto-estima, da procura de novas
valências, da valorização pessoal e profissional, da pesquisa de
emprego e preparação de entrevistas, de currículos e de cartas
de apresentação, bem como estimular formas de candidatura
espontânea. "É preciso abrir os horizontes das pessoas para o
mercado de trabalho existente".
Este serviço de outplacement não era novidade para o voluntário,
mas a realidade com que aqui se deparou no CCPC era muito
diferente da que vinha habituado, pois trabalhara com quadros
médios e superiores. Aqui a maioria dos candidatos tem
qualificações reduzidas e fortes carências económicas, mas isso
não o demoveu. "Pelo contrário", diz, "estas pessoas precisam
ainda mais de ajuda e isso motiva-me". Aliás, entusiasmo não
falta a Mário Marfim. "Isto é o que eu gosto de fazer. Quando
venho para cá venho muito motivado e quando vou embora vou
também motivado". Para isto muito contribui o feedback que tem
tido do seu trabalho, que tem ajudado a empregar várias pessoas.
"O maior prazer que tenho é quando chego e a D. Marta diz que
tal pessoa conseguiu emprego".
Apesar de reconhecer a importância deste seu trabalho, assume-se
como um "voluntário com v pequeno, pois voluntários são os que
andam a lidar com a subsistência", ou seja, a distribuir comida
e a prestar cuidados médicos. Mário Marfim esquece-se que com o
outplacement tem dado uma cana de pesca a muitas pessoas,
ensinando-as a pescar ao invés de lhes dar o peixe. E isto pode
ser tão ou mais valioso que lhes dar directamente de comer.
Porém, o voluntário ainda não está satisfeito e tem já um
projecto para criar uma base de dados de empresas do concelho
que precisem de trabalhadores, a fim de criar laços que
futuramente permitam empregar os candidatos a emprego inscritos
no UNIVA.
Além desta, Mário Marfim tem outras ideias, pois como o próprio
diz: "não consigo estar parado". E é com esta energia que a
equipa do CCPC e do UNIVA contam, procurando alcançar o mesmo
objectivo do voluntário: "gostava de contribuir de forma mais
activa para uma sociedade mais justa e em que as desigualdades
fossem menos latentes".
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Mário Marfim
63 anos
Reformado
Casado e com dois filhos maiores, um com 25 e o outro com 29 anos, está
reformado, mas nem por isso leva uma vida calma. Sempre que pode, gosta
de ler e de aproveitar o sol numa esplanada da praia, mas ocupa a maior
parte dos seus dias com o apoio à família. Nas horas vagas, tem como
hobbie fazer vídeos familiares, para mais tarde recordar. No meio de
tudo isto ainda arranjou dois meios-dias para dedicar por semana ao
voluntariado. Como o próprio diz, "há tempo para tudo". |